O direito de estar onde todos estão — mesmo quando o mundo insiste em dizer o contrário
- Adriana Monteiro da Silva
- há 2 dias
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Nesta semana, o Brasil foi atravessado por uma tragédia. A pequena Bianca, uma criança autista, caiu do alto do Cânion Fortaleza, um dos pontos turísticos mais visitados do Rio Grande do Sul. Bianca estava com sua família, que fazia o que tantas outras fazem em um fim de semana: tentava viver momentos de lazer, contato com a natureza, liberdade.
Bianca era autista. E um dos comportamentos associados ao autismo — conhecido como eloping — pode levar crianças a correrem de forma repentina, sem sinal prévio, em busca de algo que muitas vezes nem elas conseguem explicar. Foi assim que, em poucos segundos, o impensável aconteceu.
No entanto, mais rápido do que a dor da perda pôde ser acolhida, veio o julgamento. Multidões nas redes sociais apontaram o dedo: "foram negligentes", "quem leva uma criança autista para um lugar assim?", "os pais são culpados".
Essas frases não apenas desrespeitam o luto profundo de uma família devastada, mas escancaram uma verdade difícil de encarar: a sociedade ainda acredita que pessoas com deficiência devem estar restritas a certos lugares — como se a tragédia fosse resultado da presença de Bianca, e não de um acidente.
É preciso lembrar que o direito de ir e vir é universal. Crianças com deficiência não podem ser condenadas a uma vida de exclusão e isolamento em nome de uma suposta "segurança". A inclusão não se resume à sala de aula: ela acontece quando todas as pessoas, com ou sem deficiência, podem ocupar os mesmos espaços, desfrutar das mesmas experiências e estar ao lado de suas famílias nos momentos felizes — e nos tristes também.
Acusar é fácil. Investigar é necessário. E respeitar é urgente.Todo caso de morte acidental envolvendo uma criança é, por procedimento padrão, alvo de investigação. Isso não significa presunção de culpa, mas sim busca por entendimento. O que assusta é ver pessoas substituindo empatia por ataques. Quem, de verdade, teria coragem de repetir na frente daquela mãe, daquele pai, tudo que está escrevendo nas redes?
Estamos falando de pais que perderam uma filha. Pais que, como tantos outros, tentaram viver um dia normal. Que escolheram estar juntos, como uma família tem o direito de fazer. Nenhuma dor precisa ser acompanhada de linchamento moral.
Por trás do horror de perder um filho, há ainda o peso de uma sociedade que não aceita a presença de pessoas com deficiência em ambientes públicos — e que reage com brutalidade quando algo foge do esperado. O nome disso é capacitismo: o preconceito contra pessoas com deficiência e suas famílias, que se expressa na ideia de que "não deveriam estar ali".
Mas elas devem estar ali. Bianca tinha esse direito. E sua família também.
Que a memória de Bianca não seja reduzida ao acidente, mas sirva para abrir olhos e corações: inclusão não é discurso bonito, é prática. E respeito é o mínimo diante da dor alheia.
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